quarta-feira, 16 de julho de 2014

Simplicidade - dia 28

Vivemos o caos! É o transito barulhento, é o trabalho estressante, é o cotidiano estafante, não importa, pois nenhuma tentativa de ordem abalará a conturbada e  caótica existência moderna. Albert Camus já descrevia em um célebre poema uma rotina mortalmente torturante, já que ela mantem a mente presa em uma jaula sem grades onde somos ao mesmo tempo os presos e os carcereiros. Buscamos a ordem das coisas, mas damos passos e mais passos para o caminho inverso. Estamos submersos no caos. Complicamos o simples, mascaramos o real, vestimos personagens que não nos deveriam ser importantes... Somos a autoridade sobre o vazio, o especialista em assuntos nada interessantes, somos o nada em nós mesmos.

Complicado, não?! Mas pense em quanto complicou as coisas para você mesmo durante sua existência? Como que aquela vivência pueril da simplicidade, onde apenas bastava estar alí, apenas bastava se divertir, apenas bastava descobrir,passou para a insana busca frenética por coisas sem sentido, por aparências, por títulos, por status, por ego. Dizem que as crianças enxergam os elementais, e isto pode ser verdade, pois elas não estão preocupadas em saber se é real ou ilusão, somente estão preocupadas em vivenciar o momento...e desaprendemos justamente isto. Coisas ocorrem em nossas vidas, pássaros cantam, flores brotam, mas não vemos e nem veremos, pois temos de chegar no escritório para nos enfurnar em uma sala cuja única visão é para uma tela de computador no qual, com certeza, você desejaria do fundo de sua alma não estar ali. Em busca de viver, acabamos por tentar sobreviver, e em busca de sobreviver, nos matamos lentamente.

Perdemos a noção do que seja simples, trocamos a vida pelas aparências, trocamos o tudo pelo nada. E neste caos, muitas vezes buscamos fugir de tudo, buscar sermos nós mesmos...e não percebemos que o "sermos nós mesmos" já foi corrompido com ideologias e abstrações que nem deveriam estar alí. Esquecemos de não buscar, de não ser...só sentir, deixar viver.Sim, pois quando buscamos "ser nós mesmos" na verdade estamos atrás de um "eu idealizado"...e somente quando vivemos de fato, quando apenas sentimos, deixamos de portas as máscaras que carregamos desde a tenra idade e apenas nos deixamos levar, sem nos preocuparmos com o eu, o mundo e o resto, é que encontramos a felicidade, pois encontramos a simplicidade ao anularmos nossas máscaras e nos tornarmos uno com o todo e o nada ao mesmo tempo.

Complicado?! Nada...garanto que já experimentou esta simplicidade antes...quando era criança e brincava sem se preocupar se iam te chamar de maluco...Ou quando esteve só, no campo, tomando uma bebida quente, sem pensar em nada..ou quando dançou freneticamente como se não houvesse mundo lá fora, se não houvesse tempo, espaço ou existência...Já vivenciamos esta sensação...e só a vivenciamos pois a mantivemos simples, não procuramos rotulá-la. Somente a vivenciamos...e por isto, por nos tornarmos um todo e um nada ao mesmo tempo, sem preocuparmos com o status quo, é que vivenciamos, nos tornamos simples.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Música - dia 27

Das artes em geral, a música deve ter sido a primeira a ser manifestada pelo homem. E me perdoem os pintores, escultores, artesãos, que irão falar sobre as pinturas rupestres dos homens das cavernas, ou as cerâmicas encontradas em sítios arqueológicos, pois quando o primeiro humanídeo descobriu sua voz, e descobriu o ritmo, e usou para atrair as fêmeas ou atrair boas caças, ali se formou a primeira música humana...Mas não a primeira música da natureza!

E a natureza já demonstra que a música foi a manifestação maior ...Pássaros cantam ao nascer do Sol, o vento toca seus acordes ao soprar as folhas das árvores, o oceano ecoa o som das ondas...A natureza cantarola todos os dias, desde o menor dos grãos de trigo balançando ao sabor da brisa, até mesmo uma estrela em seus momentos finais, emitem ondas que, captadas pelos instrumentos certos - seja nossos ouvidos, como no caso do trigo, seja um radiotelescópio, como no caso da estrela - se transformam em uma harmonia de sons que despertam em cada um sentimentos diferenciados, únicos.

E não importa falarem "isto é apenas barulho", "isto é apenas ruido"...isto é música, para quem sabe apreciar, sentir, deixar levar. A música sempre teve esta capacidade de estar em tudo e em todos, e não ser preciso saber fazer para saber apreciar. Usada e abusada desde cerimônias ritualísticas em que a voz deveria servir para agradar e nos ligar aos Deuses, passando pelas técnicas de cura, onde o som acalmaria e relaxaria, a até mesmo nas festas tribais, onde os instintos estariam aflorados em busca do outro, do contato...A música foi, é e sempre será a companheira ideal da jornada

E mesmo o silêncio tem em si sua música, afinal, já falava Pitágoras sobre a "Musica das esferas", aquela que místicos só podiam ouvir em determinado estado meditativo, que requereria também um certo silêncio. Através do silêncio, ouvimos o nome do Incriado, pois é através do silêncio que este nome se propaga. E qualquer tentativa de manifestar este de forma pronunciável é falha, pois somente no silêncio encontram-se as notas certas, os acordes certos, o som certo...Qualquer outra tentativa é apenas uma representação mínima da Grandeza de tão maravilhoso som.

A música é a maior manifestação de todas, tanto que até nos mitos cristãos, uma das referências para a Divindade é "O Verbo"...e "o Verbo" nada mais é do que um som...uma palavra...Somente a música consegue mexer com todos,independente de etnia, credo ou pensamento filosófico. É quase impossível encontrar quem odeie totalmente qualquer música, mesmo que seja uma cantiga de ninar...Pois é na música que Inconsciente e Consciente se juntam para dançar. É na música que manifestamos os sentimentos, e é na música que nos transformamos.


segunda-feira, 14 de julho de 2014

Erros - dia 26

O mundo realmente não é perfeito. A nossa trajetória entre os círculos do reino de Abred é complicada, mas o que mais choca é que não aprendemos quando nos é ensinado, e sim, quando erramos.

Absurdo?Pois bem, a humanidade teve milênios para aprender que é apenas mais um ser no meio natural, e que assim sendo, deve permanecer em equilíbrio com a Natureza. No entanto, preferimos acreditar que somos os seres superiores da criação, e que portanto, toda a natureza deve servir aos nossos propósitos, e ganhamos como resultado em um ´seculo de erros, percebemos que não somos tão poderosos quanto imaginávamos.

Outro exemplo: A humanidade já sofreu uma hecatombe em uma guerra que teve como um de seus principais objetivos o extermínio de uma etnia. No entanto, esta mesma etnia hoje está envolvida em uma outra guerra, onde está havendo outro massacre de uma outra etnia, e a lição de humanidade não foi aprendida.

Mais um?Quantos erros cotidianos presenciamos em nossa existência, quantos cometemos, em nome daquilo que sabemos ou achamos que sabemos? Quantos amigos perdemos por nenhum dos lados saber diferenciar idéias de imposições, e nenhum dos lados sequer admitir que tem algo para aprender um com o outro?

Assim é o ser humano. Somente consegue aprender algo se comprovar - ou não - que tal coisa é errada. Temos de jogar a antítese em todas as ideias  e clamar aos Deuses do Conhecimento para que a ideia original sobreviva de alguma forma.E ao contrário do que possa parecer, isto não é de todo ruim. Vivemos um mundo onde somente conseguimos ver a luz por conta da existência da escuridão, somente conseguimos atingir a verdade por conhecermos de certa forma o erro. O problema não é aprender somente com os erros, e sim, permanecer neles, se agarrar como se fosse uma boia e você fosse um náufrago.

E por que este é o problema? Simplesmente por não conseguimos evoluir a contento. Nos agarramos a conceitos que, mesmo sabendo que são errados, defendemos de modo totalmente irracional. Mesmo sendo orientados de que aquilo é errado, continuamos agarrados de tal forma, que é quase certo o nosso fracasso como seres humanos, que estão aqui unicamente para aprender e evoluir. A árvore só nasce e evolui depois de renunciar o erro da semente, que a ajudou até chegar ao solo, mas que não a ajudará a ser uma árvore se na forma de semente permanecer. Os primeiros seres terrestres só evoluíram quando renunciaram o erro de permanecer no mar, já que lá, eles não mais conseguiam alimento. Assim é com os seres humanos.

E não é a toa que uma das "castas" da sociedade celto-druídica é a dos bardos...eles são responsáveis por nos contar a história dos ancestrais...principalmente seus erros, justamente para que aprendamos com apenas o conto, e não com a repetição do mesmo erro. Pena que em muitos casos,  não percebemos isto, engessamos nosso aprendizado, e, como consequência, erramos de novo, e de novo, e de novo...

Cabe aí aprendermos com os erros...só atingimos a perfeição depois de conhecermos o erro, e isto é fato!Mas não podemos, jamais, permanecer estáticos, presos a um conceito errôneo, pois tal ato é execrar toda a história evolutiva da Humanidade. 

sábado, 12 de julho de 2014

Recordações - Dia 25

"Um andarilho em uma estrada só possui duas coisas que irá levar consigo até o fim dela:o seu corpo e suas lembranças de onde veio e por onde passou..."

Nós sempre olhamos para o passado para entender como fazer nossas práticas nos dias de hoje. Olhamos dados arqueológicos, olhamos lendas, mitos, tradições passadas de geração em geração. Olhamos a história da humanidade, mas em que momento paramos e olhamos para nós mesmos, nossas recordações, vivências, experiências durante a jornada?!A resposta é assustadora, mas são poucas as vezes que fazemos de fato isto, ao menos como deveria ser feito.

Nossas lembranças, nossas vivências, nossos sonhos de juventude - mesmo que ainda sejamos jovens - são relegados a segundo plano, pois as prioridades sempre são a estabilidade social, econômica, e nos meios interclanicos de hoje em dia, o status quo religioso dentro e fora do clã. Buscamos a pedra monumental que irá marcar nossa existência para as gerações futuras, pensando inconscientemente que assim viveremos eternamente gravados na História. Buscamos um sentido futuro para superar nosso medo da morte, que esta é a única certeza de todas, com já dizia o filósofo.

Mas esquecemos de que ainda estamos aqui, ainda interferimos no mundo ao nosso redor -querendo ou não, para o bem ou para o mal - e esta interferência cria em nós um menir que nós mesmos desaprendemos a enxergar, pois estamos mais preocupados com outras coisas. Estas interferências criam em nós as lembranças daquilo que somos, do que fomos, cria a história de paisagens que só você viu, mesmo estando em meio a uma multidão, pois são seus olhos a interpretar aquelas memórias. Só você se lembrará do gosto daquele sorvete a beira da praia em um dia qualquer do verão, ou a sensação do toque de lábios de um beijo apaixonado que foi dado em alguém que a muito tempo você não vê. Só você saberá o arrepio de susto ao assistir um determinado filme, ou os traumas vivenciados ao presenciar uma tragédia ao vivo. Estas lembranças estão aí, neste menir que você carregará até o final dos seus dias, que pode ser hoje, amanhã, ou daqui a 90 anos...Mas estarão lá, mesmo que você olhe pouco para estas lembranças.

Talvez por repulsa, por medo, por trauma, por não querer ver algo do passado, mas ainda assim, estarão lá...

E um dia, quando menos espera, elas se manifestarão, as vezes de forma até previsível, como a ida até um local que você sabe que vai te lembar alguma coisa, mas as vezes, será de maneira totalmente irracional, como uma pedra no meio de uma avenida em um dia de chuva te fazer remeter a um dia na praia na tua infância. E são estas manifestações que negligenciamos, e é delas que vem as melhores lições que precisamos aprender naquele momento.

Quando falei sobre oráculos talvez tenha passado desapercebido para mim este fato - talvez justamente por nunca ter me atentado para - que estas manifestações das lembranças que surgem do nada, ao acaso, muitas vezes são mensagens dos deuses querendo nos dizer algo. Ou é algo que devamos fazer, ou é algo que devamos procurar, ou é alguém que precise de nossa ajuda. Sempre é algo ao qual devemos prestar atenção...mas a vida cotidiana nos faz postergar isto. Ou as vezes, postergamos por não querer encarar aquilo que sabemos que teremos de enfrentar.

Talvez seja a hora de encarar o menir que carregará até o final dos seus dias...pois é ele a sua única companhia de jornada...e é com ele que irá aprender...

domingo, 17 de novembro de 2013

Sabedoria e união- dia 24

Um certo dia, em um lugar onde nem o tempo nem o espaço seguem a nossa costumeira ordem natural das coisas, um sábio e velho druida dos tempos de outrora resolveu descansar embaixo de um pé de carvalho que ficava bem no meio de uma clareira que fazia divisa com diversos caminhos. E lá ele descansou, até que um jovem bardo, vindo de um dos caminhos que se abriam em frente, ao vê-lo descansar, depositou sua harpa em seus pés e sob seus joelhos, pediu humildemente conselhos e ensinamentos. O druida gentilmente respondeu:

Cara criança que vaga a contar histórias
Aguardai sob as sombras deste carvalho
Receberás ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho

Verás o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Preste atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora

Humildemente, o bardo, agradecido pela honra, sentou-se à sombra do carvalho, próximo ao druida, esperando que ele começasse a lhe ensinar os segredos e mistérios que ele a muito buscava...mas nada o druida falava, somente olhava para a estrada à frente, a esperar não-se-sabe-o-quê. O bardo sabia que, se lhe fora mandado esperar, algo iria ocorrer, mas a impaciência da juventude estava a lhe coçar as entranhas, até que, do nada, apareceu um grupo de druidas...diferentes, é verdade, pois não se pareciam em nada com os druidas das Gálias, ou da Bretanha, ou sequer da Escócia ou da Irlanda...estes que lá no horizonte apontavam andavam vestidos de forma um pouco diferente dos antigos, alguns usando barbas estranhas, panos e faixas na cabeça...mas ainda assim, eram druidas. O grupo se aproximou de onde estavam, já inquirindo aos dois, informações de quem eram. O druida respondeu:

Sou de cada árvore da floresta
Sua escrita de sabedoria
Sou do raio de Sol que toca os rostos
Aquilo que aquece com seu calor
Sou de cada gota de água do mundo
O conhecimento de uma vida em um segundo
Sou do vento que sopra
O sussurro que a alma toca
Sou apenas o que sou
Apenas mais um no meio da floresta

Os druidas que ali estavam, alguns se admiravam, outros ignoravam por completo as palavras do velho sábio, e alguns ainda, no auge de sua soberba, proclamaram:

"Pois bem, nós somos druidas!Das três grandes linhagens dos três grandes Arquidruidas de nossa história: John Toland, Henry Hurley e Iolo Morganwg! Se não és de nenhuma linhagem dessas, não sois um druida verdadeiro..."

Mas antes de concluir o pensamento, o velho druida lhe respondeu:

Pois te digo que a nenhuma linhagem dessas eu pertenço e nem pertencerei, pois eu sou o ramo do carvalho que brota e dá frutos, sou o visco que nasce nas copas das árvores, e somente a linhagem da floresta deveria valer para designar um verdadeiro druida ou não!

Os druidas que antes proclamavam suas linhagens saíram sem se despedir, indo em direção de uma das estradas que partiam daquela clareira..do grupo que com eles estava, uma parte resolveu segui-los,mas outra resolveu se sentar à sombra do carvalho e pedir conselhos e ensinamentos do velho druida, que se limitou a repetir o que havia dito antes para o jovem bardo:

Caras crianças que vagam a contar histórias
Aguardem sob as sombras deste carvalho
Receberão ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho

Verão o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Prestem atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora

Mas desta vez, não aguardaram tanto tempo quanto o jovem bardo teve de esperar, para que outra visita deles começasse a se aproximar. Era outro grupo de druidas, notou o jovem bardo, mas desta vez, totalmente diferente dos que antes com eles estiveram ou que ainda estavam ali. Este também não se vestia como os antigos, e apesar de parecer um pouco com  o outro grupo, este por sua vez vinha em uma variedade de cores e trajes ao qual não havia visto antes...não daquela forma! E não vinham em silêncio, diga-se, pois traziam consigo instrumentos musicais que o próprio bardo nunca havia visto, e vinham tocando e cantando, alegres como o Sol da primavera e festivos como o primeiro de maio. Chegaram da mesma forma do grupo de outrora, questionando:

"Quem vocês são, e por que estão a se envolver com esta gente que até fraude comete contra a tradição druídica?!"

Os que eram do grupo que anteriormente haviam passado por ali se revoltaram, quiseram começar uma briga, mas antes de que algo ocorresse e fossem às vias de fato, o sábio druida bateu seu cajado no tronco do carvalho, e com isto chamou a atenção de todos para si. Então ele disse:

Sou apenas a vida que flui no bosque sagrado
Sou a sabedoria do salmão subindo o rio à nado
Sou a força do javali que é invencível na floresta
Sou a visão do voo da águia, que no céu plaina com graça
Sou a velocidade e a destreza do gamo
Que dos outros animais corre ao lado
Sim, sou mais um no bosque sagrado!

E antes que apontem os dedos 

Uns para os outros
Saibam que a única ciosa a lhe diferenciar
É simplesmente a maneira de se trajar


Ambos os grupos ficaram sem graça, e do primeiro grupo, todos se sentaram novamente, do segundo grupo, alguns saíram revoltados com a reprimenda, e se dirigiram por uma das estradas que daquela clareira partia, outros, envergonhados, rumaram em outra direção, e uma terceira parte ali resolveu ficar, pois reconheceram no velho druida a sabedoria dos antigos, e eles lhe pediram para ensinar-lhes, o que o druida novamente repetiu:

Caras crianças que vagam a contar histórias
Aguardem sob as sombras deste carvalho
Receberão ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho

Verão o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Prestem atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora

Mas desta vez, mal conseguiram esperar a poeira dos que foram embora abaixar...novamente veio um outro grupo, totalmente diferente dos demais...vestidos alguns como gauleses, outros como escoceses, outros com trajes nunca visto antes por aquele bardo...calçados de tecido, sandálias multicoloridas...Alguns carregando livros em suas bolsas de viagem, livros estes de grande volume, outros, finos tomos, e todos ali, no meio da floresta, tão alegres e festivos quanto o grupo anterior,apesar de alguns poucos estarem de fisionomia fechada. Ao verem o velho druida e seu grupo aos pés do carvalho, não tardaram de se aproximarem e se apresentarem. Alguns, com a polidez e a educação que se pede, mas alguns poucos, com uma arrogância impar, questionaram o que aquele "monte de abraçadores de árvores" estava fazendo ali. Antes que qualquer um dos grupos presentes pudesse se manifestar, o velho druida , gargalhando, disse:

Quem são aqueles que de tão bom humor
Descrevem nossos atos e pela floresta, o amor?

Estes, por sua vez, responderam, alguns ainda na soberba, alguns perplexos, alguns interessados, mas todos responderam:

"Somos Reconstrutivistas, e temos com o objetivo reconstruir a fé dos celtas, tal qual era antigamente, adaptado para os dias de hoje."

Nisto, o velho druida, curioso como um gato ao encontrar uma caixa, ou uma criança ao ver um embrulho bonito, perguntou como eles fariam isto, pois ele queria saber se poderia ajudar. Alguns se mostraram interessados na proposta, outros entusiasmados, mas uns poucos, aqueles mesmos que agiram com a soberba anteriormente, retiraram livros e mais livros das bolsas e sacolas, e disseram:

"Estes são o conhecimento de que precisamos, meu senhor. Quais as tuas fontes?!"

O sábio druida então respondeu:

Sou aquele que bebeu da fonte 
Que brota do alto do monte
Transforma-se em rio,e no horizonte
Depois de por toda terra passar
E os campos irrigar
É no mar que vou desaguar
Sou aquele que os pássaros escuta
E as árvores abraça
E não importa se na alegria ou na desgraça
Da natureza estou a aprender
Pois dela brota a fonte de todo poder
E assim, aprender a ensinar, e ensinar a aprender.


E estes que com arrogância agiram, com arrogância se foram, sem nada entender daquilo que aquele senhor lhes disse. Mas o restante do grupo, estes resolveram ficar, sentaram ao redor do carvalho, e pediram conselhos ao sábio druida. este por sua vez, repetiu aquilo que havia dito antes:

Caras crianças que vagam a contar histórias
Aguardem sob as sombras deste carvalho
Receberão ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho

Verão o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Prestem atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora

Pois bem, quando os três grupos estavam acomodados na grande sombra daquele carvalho, interagindo uns com os outros, não mais olhando para seu colega ao,lado com desprezo ou arrogância, mas com curiosidade de saber o por quê ali estavam, e descobriram que todos estavam ali pelos mesmos motivos, foi que o sábio druida finalmente olhou para o bardo, indicando que a hora havia chegado, e começou a falar:

Sou a sabedoria dos antigos
Sou daqueles que foram perseguidos
Muitos nos julgavam desaparecidos
E pela floresta, passamos desapercebidos

Sou aquele cuja raiz se estendeu
Pelo solo do bosque, e no outro mundo se perdeu 
E aqui estou, a vocês todos a ensinar
A única e verdadeira sabedoria milenar

Cada um de vocês trazem consigo
Um fragmento da sabedoria do povo antigo
Olhem nos olhos de seu amigo
E compartilhem com ele o conhecimento adquirido

Cada um de vocês é uma árvore na floresta
E algum dia, os bardos cantarão esta gesta
Que sem nenhuma falsa modéstia
Foram vocês que abriram esta réstia

Mas cabe a vocês manter o que aqui se construiu
Olhar o outro como ainda não se viu
Como alguém a quem se tem a ensinar
Como alguém de quem se tem muito a aprender

Sejam sábios, como meu povo não foi outrora
E por conta da falta de união, ruíram sob a luz da aurora
Unam-se em uma só floresta sem demora
Vejam as semelhanças na diferença agora


Vocês são os herdeiros do carvalho
Detém a sabedoria e a força de um mundo, já no passado
Mas se não se respeitarem,o bosque será derrubado
e mais uma vez, no mundo serás um ultrapassado.

A floresta não pede que sejam iguais
Mas que aprendam uns com os outros
Pois cada um tem a ensinar demais
e este segredo, sinceramente é para poucos

Neste momento, o sábio começou a andar entre aquele grupo, e quando saiu da sombra daquele carvalho que lhe acolheu por todo aquele tempo, ele mesmo em um outro carvalho se transformou. E cada uma das pessoas, de cada um dos grupos que ali estavam a se reunir com aquele sábio, elas mesmas em árvores também se transformaram...Faias, azevinhos, freixos, olmos, bétulas, pinheiros, macieiras, e tantas outras árvores diferentes, que naquela outrora clareira se transformou em uma majestosa floresta, mostrando aos que viriam depois, que mesmo diferentes,todos faziam parte de um mesmo bosque, um mesmo ideal. O único que uma árvore não se tornou foi o jovem bardo, que ficou com a missão de cantar aos quatro cantos toda a sabedoria que ele esteve a presenciar.



Humor - dia 23

Existe um ditado que diz claramente "não confie em um Deus que não sorri". Este deveria ser o lema da maioria das pessoas, mas pelo que vejo, devido a mentalidade cristianizada incutida na mente delas, são poucas as que dão valor a uma boa risada. O pior é isto contaminar justamente o paganismo de linhagem europeia - alguns praticantes do paganismo celta inclusos aqui.

Qualquer piada é motivo para gerar uma guerra....qualquer chacota é motivo para ofensas e ameaças...qualquer gracejo é motivo para dizerem que se está "ofendendo aos Deuses"... A pergunta que fica é: e daí!? Será mesmo que os Deuses se ofendem com uma piada, ou se ofendem mais com a estupidez humana, que prefere agredir o outro por conta do humor, ao invés de rir junto com ele!? Será mesmo que uma piada agride mais do que a indiferença, os maus tratos, as agressões verbais que os radicais preferem proferir para quem tem senso de humor?! Será mesmo que a fé pagã está tão contaminada pelo fanatismo "cristianizado" que inibe o humor, com a desculpa de que ele ofende os deuses!?

Sim, contaminada pelo fanatismo cristianizado...pois eu não vejo na cultura pagã antes do advento do cristianismo tamanha falta de humor, tamanho preconceito com o riso, tamanha ostentação a rabugice, como eu vejo nos dias atuais. É um pensamento tão arreigado, que lembra-nos a história do abade que comete assassinatos no mosteiro em "O Nome da Rosa", com medo de que a descoberta de um texto de Aristóteles subvertesse a ordem das coisas ao incentivar o riso.Devemos temer este radicalismo e a falta de humor em nosso meio, pois só tende a desestabilizar tudo aquilo que lutamos. Somos pagãos, frutos de um culto voltado para os ciclos da terra, e não ter um pouco de humor só tende a mostrar que ainda estamos vivendo contaminados com pensamentos que não são oriundos de nosso meio.

Claro, não devemos confundir o humor com a falta de compromisso e o descaso, pois isto sim, foge dos preceitos do paganismo em geral, e do druidismo em particular. No mais, vivamos a vida, sejamos felizes, façamos piada dos outros e principalmente de nós mesmos, pois a vida é muito dura para que tenhamos de levá-a sempre a sério.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O Kroui - dia 22

Esperamos dos céus aquilo que devemos conquistar no fio da espada. è assim que deveríamos encarar o destino, mas é assim que fugimos dele. É assim que sinto quando as pessoas culpam o destino pelos seus infortúnios ou pelo seu comportamento perante as situações da vida. Existe sim, um destino inevitável, o kroui céltico, o WYRD rúnico...mas muito desse destino é escrito com base nas nossas próprias decisões e escolhas. Nada acontece em nossas vidas pelo fato de estarmos sendo castigados ou premiados, e sim, pelo simples fato de colhermos o que plantamos.Talvez este pensamento seja fruto do pensamento renascentista da "fortuna", ou do pensamento medieval do anátema, do castigo divino. Só que poucos percebem a verdade neste destino.

Ao contrário do que alguns pensam, cada ato que fazemos desencadeia sim um acontecimento no futuro - o chamado efeito borboleta. Então, somos sim responsáveis pelos nossos atos, e pelas consequências deles. Afirmar que algo ocorre por castigo ou punição  - como algumas escolas iniciáticas colocam a visão do carma - chega a ser infantil. Sim, pois se algo acontece de foma contrária ao que estávamos esperando, é simplesmente pelo fato de termos feito uma escolha equivocada para aquela situação, ou a reação do mundo para aquela resposta ainda não ter sido favorável da maneira como havíamos pensado que iria ocorrer. A vida não nos torna estúpidos, ou os Deuses só nos mandam pessoas de má-índole, que é absoluta certeza de que irão nos trair...Somos nós que nos comportamos com estupidez diante dos fatos que a vida nos apresenta diariamente, e somos nós que ou fazemos as escolhas erradas, ou não sabemos lidar com os assuntos afetivos da maneira adequada. As respostas que o kroui nos dá como inevitáveis, são fruto de nossas escolhas, ou para aprendermos algo, ou para ensinarmos algo...

Inexiste no pensamento céltico o "carma punitivo", pois não há pecado no meio céltico. O que há é a questão do eterno aprendizado...aprender com as coisas da vida. Se sempre estamos sofrendo pelas mesmas coisas, é porque ainda não aprendemos a resposta correta para aquela "questão". Uma mudança de postura sempre gera uma mudança de respostas... Devemos quebrar os paradigmas para evoluir e aprender sempre. Temos de parar de culpar os Deuses pelos nossos atos, e começar a encara-los de frente. Temos de combater a nós mesmos, nossas fraquezas  medos e rancores, e não esperar que a colheita seja farta, sem ter plantado nenhum grão sequer. Temos de ser responsáveis por nós mesmos e nossas escolhas, e aprender a cada momento com elas. Só assim evoluiremos em direção a Gwenwed e em união ao Incriado em face ao mundo.